26 de fevereiro de 2016

Três crónicas sobre o Bloco face ao PCP nos primeiros anos

No Avante! de 21.1. 1999

Começar mal

Por ocasião do lançamento, no último fim de semana, da tentativa de mais uma experiência de agregação eleitoral na área da UDP, do PSR e da Política XXI, alguns dirigentes do PSR e da UDP produziram declarações relativas ao PCP que se arriscam a ficar como um indício de qual poderá ser o seu verdadeiro desígnio eleitoral e dos tristes métodos que se dispõem a usar para o atingir.
Com efeito, e só para citar algumas frases mais significativas, Alberto Matos (UDP) invocou as «ambiguidades» do PCP face ao PS e falou das « «colagem do PCP ao Governo à espera de uns lugares». Luís Fazenda (UDP) referiu que o país não precisa de «uma oposição que num dia proteste e no dia seguinte esteja a tentar um negócio de poder», reclamando de seguida que «o PCP que se defina». E, para abreviar a lista, acrescente-se que Heitor de Sousa, no Congresso do PSR, terá também acusado o PCP de ter uma posição de compromisso com a política de direita assim induzindo uma postura conformista e rotineira do movimento operário.
Deixando-nos de punhos de renda, é caso para dizer que os autores destas declarações, proclamam querer «começar de novo», mas começam é mal.
Porque começam por deturpar, falsificar e amesquinhar a indiscutível realidade de que o PCP tem sido a grande força de oposição de esquerda ao Governo do PS, agindo em todos os planos da vida nacional com rigorosa autonomia política e estratégica e desempenhando um papel incontornável não apenas na defesa de interesses populares imediatos mas também na luta por valores, por uma política e por um projecto alternativo de esquerda.
Porque começam dando objectivamente continuidade à operação lançada pelo PSD, e especialmente acarinhada pelo «Expresso», para apresentar o PCP como «muleta do PS», precisamente para fazer esquecer que, nesta legislatura e nas matérias fundamentais e decisivas, os grandes aliados do PS têm sido o PSD e o PP.
Porque começam com o truque de, olhando o campo da esquerda, precisarem de decretar que é um deserto para melhor se apresentarem com a si próprios com uma miragem do desejado oásis.
É isto que, para já, não deixamos passar em claro.
Quanto ao resto, cada um é livre de avaliar a contribuição que será dada para a dignificação dos partidos e da vida política se, como é anunciado, três partidos, propondo-se continuar a existir, derem vida a um outro partido só por causa da concorrência a eleições.
E, já agora, tendo decidido entre si, e só entre si, como aliás é seu pleno direito, a configuração e arranque deste projecto eleitoral, alguns dos seus promotores bem nos podiam poupar ao truque do «desafio ao PCP»que releva de um misto de paternalismo e arrogância que nós não usamos com eles.
E poupem-nos sobretudo ao truque de, perante esta ou outras anotações críticas às suas deturpações caluniosas sobre a orientação do PCP, se virem apresentar depois como inocentes vítimas de uma suposta «agressividade» e «sectarismo» do PCP, ou exibir aquela conhecida sensibilidade de flor de estufa, sempre baseada no sagrado princípio de que uns podem dizer o que quiserem sobre os outros, mas os outros já nem sequer podem responder, ainda que em proporcionada atitude de legítima defesa. — Vítor Dias

No «Semanário» em 8/10/99

Legítima defesa

Vítor Dias

Entendeu Fernando Rosas que não podia usar a sua última coluna de opinião no “Público” antes da votação de domingo sem reincidir em mais uma das deturpações sobre a orientação, acção e objectivos do PCP que, em assinalável medida, têm sido a grande terraplanagem operada pelo Bloco de Esquerda para melhor exibir a sua alegada diferença e valia.
Com efeito, só porque o “Expresso” titulou uma entrevista de Carlos Carvalhas com a afirmação de que “para mudar o PS é preciso termos força”, logo Fernando Rosas se apressou a dar o precipitado passo de gigante que foi daí concluir que a tanto se resume o projecto e os objectivos do PCP, apesar de qualquer pessoa séria e interessada ter muitas maneiras de comprovar que o PCP está enfatizando outras, e bem mais cruciais, razões de voto na CDU.
E, como não se pode acreditar que um intelectual com as responsabilidades de Fernando Rosas já só leia títulos e estruture comentários e juízos políticos sobre outras forças com base em títulos de entrevistas, cresce então uma terrível  suspeita.
A de que ele sabe perfeitamente, mas resolveu escondê-lo dos leitores, que a citada afirmação de Carlos Carvalhas foi feita no contexto de uma pergunta que inquiria das razões porque o PCP não tinha desafiado o PS para “uma aliança de governo”. E também sabe perfeitamente que, na entrevista de Carvalhas ao “Expresso”, há passagens que, embora com as limitações de desenvolvimento inerentes ao tipo de entrevista, distanciam claramente o PCP de concepções de meros “arranjos de cúpula” ou de “alianças entre partidos”, antes evocam o papel dos movimentos sociais, sublinhando mesmo a ideia de que “é possível, certamente com tempo, que o avanço do movimento social permita uma recomposição política, com efeitos no interior dos partidos”.
Mas há mais: F. Rosas conhece perfeitamente a densa reflexão do PCP, consagrada no seu último Congresso (1996) e já exposta com suficiente clareza num colóquio em F. Rosas também participou em Coimbra, sobre a complexa questão da construção de uma alternativa de esquerda ao rotativismo e alternância entre PS e PSD. Só que não resiste  ao lamentável truque de, por um lado, absorver importantes  componentes dessa reflexão e depois fazer de conta que o PCP não a tem e que, em lugar dela, tem orientações resumíveis ao objectivo de ser “flor de esquerda na lapela” da governação socialista ou uma “espécie de corrector apendicular  das leis e  das políticas do Governo” PS.

Aliás, a orientação do Bloco de Esquerda em certos aspectos é bastante confusa (ou talvez não) : desvalorizam manifestamente o perigo e as consequências de uma maioria absoluta do PS, não falam muito contra o PS, tem apoiantes que, como é publico, tem boa parte do seu coração no PS, parecem sobretudo preocupados em disputar influência a quem foi - combativamente, no duro, sem favores dos “media”, e tanto no terreno social como parlamentar - a oposição de esquerda ao Governo do PS, e depois, numas linhas impressas, dão-se ares de radicalismo decretando, para a eternidade, um nulo lugar do PS em futuras soluções de esquerda. (...)»

No Semanário  de 9.6.2000
A bílis do Prof. Rosas
Vítor Dias

Tivesse o «Público» um colunista permanente da área comunista, coisa que - em manifestação de curioso pluralismo -  deliberadamente não têm desde que há muito anos cancelou a colaboração que Luís Sá mantinha naquele jornal, e talvez os leitores  fossem poupados aos medidos desabafos que um lamentável e desonestíssimo artigo de Fernando Rosas («Público» de 7/6) nos impõe, muito embora a tentação do desprezo moral e político pudesse ser bem justificada.
Acontece que este dirigente do Bloco de Esquerda, cometendo aliás repugnante cinismo de misturar insinuações politicamente caluniosas com fingidos piscar de olhos, resolveu fustigar, com recurso a uma demagogia rasteira e a doentias elocubrações, a presença do Secretário-Geral do PCP em actos oficiais de recepção ao Papa e a Clinton e, neste último caso, descobrir uma grande contradição com a sua presença também na manifestação realizada, não tanto contra aquela visita, mas contra a política da Administração norte-americana.
E, porque isso é muito relevante para o retrato do personagem, talvez se possa começar por registar que, já em anterior artigo (publicado em 17/5), Fernando Rosas tinha conseguido a proeza de alinhavar umas  linhas propositadamente destinadas a que, quanto às «cerimónias fatimistas», o secretário-geral do PCP fosse metido no mesmo saco de Jorge Sampaio, Durão Barroso e Paulo Portas ( sabe-se lá porquê esqueceu-se de António Guterres !). Agora, com a mesma falta de escrúpulos, volta a falar de «o dr. Carvalhas ir receber o Papa a Fátima», quando tinha a obrigação de saber que o Secretário-geral do PCP não foi a Fátima e não esteve em nenhuma «cerimónia fatimista», apenas esteve, a convite do Presidente da República, na recepção no Aeroporto de Figo Maduro.
Mas há algo que decididamente excede o quadro de pensamento grupúscular deste anunciado candidato presidencial que há cinco anos, com a sua presença na Comissão de Candidatura de Sampaio,  avalizava as orientações claramente então enunciadas poe aquele candidato quanto a política externa, EUA, NATO, União Europeia,  etc. de que os comunistas e o seu candidato logo se demarcaram, e com as quais F. Rosas muito se virá a indignar por força do seu novo papel.   
Com efeito, pode o Prof. Rosas perorar  quanto quiser, mas a verdade é que o PCP, salvo circunstâncias ou conjunturas excepcionais, tem seguido o critério de aceitar fazer-se representar nos actos oficiais para que é convidado pelas instituições ou órgãos de soberania nacionais, reservando-se o direito de, por critério político, aceitar ou não convites dos governantes estrangeiros que visitam Portugal ( e o PCP não fez representar em nenhum acto promovido pelo Presidente Clinton).
Isto é, o PCP corresponde a convites que, partindo de órgãos de soberania ( e designadamente do PR), lhe são feitos em estrita relação com o papel, presença e intervenção que, por direito próprio conferido pelos eleitores, desenvolve nas instituições democráticas e, mais vastamente, na sociedade portuguesa.
Assim, onde o incuravelmente preconceituoso F. Rosas vê reverência com os «poderes fácticos», «duplicidade» ou homenagens a visitantes estrangeiros, o que há é uma firme afirmação do papel e relevância política e institucional de um partido que é fundador do regime democrático, o que há é a não abdicação de figurar em instâncias de representação que devem espelhar o real quadro pluralista da vida política nacional, havendo ainda acessoriamente a conveniência de confrontar certos visitantes estrangeiros com a evidência física e directa da existência em Portugal do Partido Comunista Português. 
E é esta luz que talvez possa  ficar então claro, salvo para o empedernido esquematismo e a bílis militantemente anti-PCP do Prof. Rosas, que as razões de fundo da representação do PCP em certos actos de natureza institucional  são afinal compatíveis e coerentes com as razões que, no exercício da sua inalienável autonomia, o levam simultaneamente a »fazer-se representar, por exemplo, na manifestação contra a política norte-americana. »



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